A psicanálise no processo de elaboração do luto
Proposta de projeto de pesquisa
Resumo
Baseando-se nos conceitos aprendidos na disciplina Método de investigação e pesquisa em Psicanálise, este texto apresenta um projeto de pesquisa que propõe uma investigação sobre como a Psicanálise atua no processo de elaboração do luto. O luto dentro de uma determinada cultura ou religião é composto por ritos, mas o falecimento de uma pessoa querida também resulta no luto individual, que pode exigir terapia para o paciente chegar na aceitação da perda do objeto amado. Embora a Psicanálise seja uma das poucas abordagens que proporcionam uma escuta onde o paciente pode compartilhar livremente os seus sentimentos e emoções, uma pesquisa recente mostrou que 50% dos psicólogos pesquisados usam ferramentas da Terapia Cognitivo Comportamental como intervenções na elaboração do processo de luto, por isso, conclui-se que há espaço a ser explorado na pesquisa sobre como a Psicanálise pode atuar no processo de elaboração do luto. Será utilizado o método qualitativo através de uma pergunta aberta para cinco psicanalistas, permitindo avaliar se há um padrão na prática da Psicanálise em pacientes enlutados.
Palavras-chave: luto; melancolia; morte; psicanálise; tanatologia.
Introdução
Dificilmente alguém chega à vida adulta sem precisar lidar com a perda de pelo menos uma pessoa querida. Para ajudar no processo de luto, cada um recorre aos ritos em que acredita e à sua rede de apoio, composta por pessoas amigas e da família. Considerando o quanto somos afetados pela morte de alguém próximo, este texto apresenta um projeto de pesquisa que pretende investigar como a Psicanálise atua no processo de elaboração do luto.
A morte dura, em termos biológicos, alguns segundos ou minutos, mas o processo de morrer, iniciado pela consciência de que a morte submergirá em breve, pode durar anos (KELLEHEAR, 2016). Em diversas culturas e religiões, há um fato invariante ligado ao processo de morrer, mas principalmente na morte, de uma pessoa próxima por laços de parentesco ou amizade: a obrigatoriedade do luto durante um certo período (GODELIER, 2017), garantindo a passagem da pessoa falecida para o além-mundo e evitando um eventual retorno para assombrar ou cobrar aqueles que permanecem vivos (KELLEHEAR, 2016). Esta ambivalência na despedida, preconizada por algumas culturas e religiões, ocorre em paralelo com o luto individual, processo que pode resultar no luto patológico, que tem entre as suas características a perda de interesse no mundo externo e ausência de capacidade de escolher algo que substitua o sujeito pranteado (FREUD, 2010). No texto Luto e melancolia, Freud explica como o luto normal pode ser convertido em patológico:
A perda do objeto amoroso é uma excelente ocasião para que a ambivalência das relações amorosas sobressaia e venha à luz. Quando existe predisposição para a neurose obsessiva, o conflito da ambivalência empresta ao luto uma configuração patológica e o leva a se exprimir em forma de autorrecriminações, nas quais o indivíduo mesmo teria causado — isto é, desejado — a perda do objeto de amor. Essas depressões neurótico-obsessivas que se seguem à morte de pessoas amadas nos mostram o que o conflito da ambivalência realiza por si só, quando não há também uma retração regressiva da libido. (FREUD, 2010, p. 135).
Para ser superado, o luto patológico exige a retirada da libido das conexões com a pessoa falecida, mas mesmo que já exista um substituto para a libido dedicada ao objeto amado (pessoa falecida), Freud observou que a tentativa de abandonar a posição libidinal “desperta uma compreensível oposição” (FREUD, 2010, p. 129), sendo um processo doloroso lidar com a perda do objeto amado (CAVALCANTI; SAMCZUK; BONFIM, 2013).
Há poucos trabalhos que se propõem a apresentar, através de casos práticos (IRELAND, 2011) ou revisão teórica (CAMPOS, 2013), como a Psicanálise aborda, ou pode ajudar, o processo de elaboração do luto. Para lidar com um paciente em uma situação de luto mal elaborado, não basta o analista ter experiência na Psicanálise, é necessário compreender também os estágios do luto, que são a negação e o isolamento, a raiva, a barganha, a depressão e a aceitação; esta compreensão ajudará o Psicanalista no manejo da terapia. A negação e o isolamento são caracterizados pela não aceitação do ocorrido, agindo como uma defesa temporária. A raiva é caracterizada pela revolta, raiva, inveja e ressentimento contra Deus e as pessoas. A barganha é uma tentativa de usar a fé para reverter a situação. A depressão é caracterizada pela tristeza profunda e uma preparação para a aceitação, última etapa. Na aceitação, a pessoa encontra-se mais serena e consegue expressar de forma clara as emoções que as circundam (KÜBLER-ROSS, 2017).
Embora a Psicanálise seja uma das poucas abordagens que proporcionam uma escuta onde o paciente pode compartilhar livremente os seus sentimentos e emoções (SOARES; CASTRO, 2017), uma pesquisa recente sobre intervenções clínicas usadas na elaboração do processo de luto mostrou que 50% dos profissionais pesquisados usam ferramentas da Terapia Cognitivo Comportamental (AZEVEDO; SIQUEIRA, 2020). A importância do tema é apresentada por diversos autores, incluindo a psiquiatra Elizabeth Kübler-Ross (2017), referência em tanatologia: “Quanto mais avançamos na ciência, mais parece que tememos e negamos a realidade da morte. Como é possível?” (KÜBLER-ROSS, 2017, p. 11), a pergunta trazida pela autora no livro ‘Sobre a morte e o morrer’ se conecta com as ideias apresentadas por Freud no texto ‘Luto e melancolia’, onde ele fala sobre a dificuldade de direcionarmos a libido para um objeto substituto àquele que foi perdido (FREUD, 2010).
A partir da análise dos autores citados e dos artigos pesquisados, concluímos que há espaço a ser explorado na pesquisa sobre como a Psicanálise pode atuar no processo de elaboração do luto.
Objetivo
Compreender a prática da Psicanálise no processo de elaboração do luto associado à morte de um ente querido.
Método
Considerando que o objetivo deste projeto de pesquisa é compreender como a Psicanálise atua no processo de elaboração do luto, será realizada uma pesquisa em psicanálise através do método qualitativo. A pesquisa será feita através de uma entrevista com cinco pessoas psicanalistas com, no mínimo, cinco anos de experiência em Psicanálise.
A entrevista será agendada mediante assinatura do Termo de consentimento livre e esclarecido e será composta por uma pergunta aberta: ‘Como você conduz a terapia de um(a) paciente que está superando a morte de uma pessoa querida?’. As respostas serão analisadas individualmente, de modo que seja possível avaliar se há um padrão na prática da Psicanálise em pacientes enlutados, resultando na resposta do problema de pesquisa apresentado na introdução deste texto.
Justificativa
Retomando a citação que inicia este texto, dificilmente uma pessoa chega à vida adulta sem precisar lidar com a perda de pelo menos uma pessoa querida, além disso, neste ano estamos vivendo uma pandemia sem precedentes na história recente (UNA-SUS, 2020), a COVID-19 já vitimou no mundo quase 350 mil pessoas (WHO, 2020). Estes fatos validam a necessidade de compreendermos como a Psicanálise pode ajudar (ou já está ajudando) as pessoas a superarem a dor da perda dos seus entes queridos.
Referências
AZEVEDO, D. F.; SIQUEIRA, A. C. TERAPIA DO LUTO: Intervenções clínicas na elaboração do processo de luto. Revista Farol, Rolim de Moura, v. 9, n. 9, p. 341–355, janeiro de 2020. Disponível em <http://revistafarol.com.br/index.php/farol/article/view/154/>. Acesso em: 23 de abril de 2020.
CAMPOS, E. B. V. Considerações sobre a morte e o luto na psicanálise. Revista de Psicologia da UNESP, Assis, v. 12, n. 1, p. 13–24, junho de 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1984-90442013000100003>. Acesso em: 23 de abril de 2020.
CAVALCANTI, A. K. S.; SAMCZUK, M. L.; BONFIM, T. E. O conceito psicanalítico do luto: uma perspectiva a partir de Freud e Klein. Psicólogo informação, São Paulo, v. 17, n. 17, p. 87–105, dezembro de 2013. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-88092013000200007>. Acesso em: 31 de maio 2020.
FREUD, S. (1917). Luto e melancolia. In FREUD, S. Obras completas: volume 12. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
GODELIER, M (org.). Sobre a morte: invariantes culturais e práticas sociais. São Paulo: Edições Sesc São Paulo, 2017.
IRELAND, V. E. A dor do luto e seu acolhimento psicanalítico. Estudos psicanalíticos, Belo Horizonte, n. 35, p. 151–165, julho de 2011. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372011000200016>. Acesso em: 23 de abril de 2020.
KELLEHEAR, A. Uma história social do morrer. 1. ed. São Paulo: Editora Unesp, 2016.
KÜBLER-ROSS, E. Sobre a morte e o morrer. 10. ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.
SOARES, L. G. A.; CASTRO, M. M. LUTO: colaboração da psicanálise na elaboração da perda. Revista Psicologia e Saúde em Debate, Patos de Minas, v. 3, n. 2, p. 103–114, dezembro de 2017. Disponível em <https://psicodebate.dpgpsifpm.com.br/index.php/periodico/article/view/167>. Acesso em: 23 de abril de 2020.
UNA-SUS — Universidade Aberta do SUS. Organização Mundial de Saúde declara pandemia do novo Coronavírus. Disponível em <https://www.unasus.gov.br/noticia/organizacao-mundial-de-saude-declara-pandemia-de-coronavirus>. Acesso em: 27 de maio de 2020.
WHO — World Health Organization. Coronavirus disease (COVID-19). Situation Report — 128. Disponível em <https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/situation-reports/20200527-covid-19-sitrep-128.pdf?sfvrsn=11720c0a_2>. Acesso em: 29 de maio de 2020.